A história de Wayne Rooney é digna de uma realização cinematográfica com um guião pensado meticulosamente. Ainda com 16 anos, à data o jogador mais novo de sempre a marcar na Premier League, o jovem avançado inglês estreou-se pelo Everton com um golo em cima do apito final, do meio da rua, na receção ao ‘todo poderoso’ Arsenal, confirmando a reviravolta dos toffees e colocando um ponto final na série invencível de 30 jogos dos comandados de Arsene Wenger. A apresentação foi de tal forma categórica que o treinador francês, no final do encontro, dirigiu-se a Rooney como o “maior talento inglês” que havia visto desde a chegada às terras de Sua Majestade.

“Foi um golo especial, marcado por um talento especial. É o maior talento inglês que eu vi durante o meu tempo aqui, com larga margem. Ele tem tudo aquilo que um treinador deseja: é inteligente, rápido, reage muito bem, é rápido com e sem bola e, claro, é eficiente em frente à baliza. Espero que não se lesione nos próximos dois ou três anos, mas sei que ele está preparado mentalmente para tudo o que lhe acontecer. É um talento incrível”, assumiu.

A “sincera opinião” de Wenger terminou com a consideração de que Rooney seria, na altura, “muito novo” para abandonar Goodison Park e rumar a um clube com outras aspirações. A verdade é que, duas épocas e 17 golos mais tarde, pouco depois de atingir a maioridade, Wayne cumpriu um sonho de criança – como se já não a fosse – e mudou-se para Old Trafford, para trabalhar com Sir Alex Ferguson. A equipa do escocês não hesitou em pagar 37 milhões de euros pelo jovem avançado, à data o teenager mais caro de sempre em Inglaterra – quanto valeria hoje? – mas o valor pareceu até simbólico por todos os sonhos que Rooney viveu e vendeu naquele teatro.

“Sabia que mudar-me para o United era uma opção antes do Euro’2004”, admitiu Rooney ao podcast do clube, em novembro passado.

“Sabia que queriam contratar-me. Pensei que poderia ir ao Euro, fazer boas exibições, e provavelmente aumentar o valor que estavam dispostos a pagar ao Everton, mas parti o pé e descobri outras coisas”.

“O Everton vivia uma fase complicada a nível financeiro e estavam a ouvir ofertas de outros clubes. Pressionaram-me para assinar pelo Chelsea, que era quem fazia a maior oferta, mas assim que soube do interesse do United quis confirmar essa intenção”, explica o avançado.

“Assim que soube que era verdade, era o único clube que me interessava. Era perfeito para mim, mas queriam esperar um ano, até ao verão seguinte. Entretanto surge o Newcastle, que começa a negociar comigo e com o Everton. Era tempo de sair, não podia esperar mais um ano, por isso estava preparado para ir para o Newcastle”, continua.

“Falei com eles, discutimos o salário que eu queria e tudo o resto, mas disse-lhes que, se assinasse e o United voltasse à carga, eles tinham que me deixar sair. O Newcastle concordou mas, obviamente, voltei a conversar com o United. Disse-lhes que se não me comprassem naquele verão, eu iria para o Newcastle com uma cláusula no contrato, mas claro que eles não quiseram e contrataram-me logo. Basicamente, tudo o que o Newcastle pagasse por mim, o Manchester United iria pagar no ano seguinte”, revela. Antes de colocar o nome sobre o papel e firmar o futuro em Manchester, Wayne Rooney conheceu Sir Alex Ferguson, uma figura até “intimidante”, assumiu o jogador.

“Foi bom conhecê-lo. Um bocadinho intimidante. Durante a minha infância, enquanto crescia, vi-o na televisão a ganhar títulos importantes. Estar frente a ele e conversar sobre jogar para ele foi estranho, mas percebi nesse momento que tinha de assinar pelo United”, conta.

Apresentado com pompa e circunstância como um dos jovens mais entusiasmantes da Europa e até antevendo uma parceria com Cristiano Ronaldo, Wayne Rooney depressa dissipou as dúvidas quanto ao valor da transferência, ao futuro do jogador e até à forma como iria encaixar na disposição de Ferguson.

A estreia com a camisola dos red devils foi somente mais uma página daquele guião retirado de Hollywood, com letras garrafais que tentaram traçar diferenças entre a fibra dos estreantes: “Há estreias fenomenais, e depois há a estreia de Rooney pelo Manchester United”.

A 28 de setembro de 2004, na primeira vez que pisou o relvado enquanto entoava o hino da Liga dos Campeões, Wayne Rooney, a estrear a camisola oito do Manchester United, apontou três golos na goleada de 6-2 imposta ao Fenerbahçe em Old Trafford. Abriu a festa com um remate de pé esquerdo à entrada da área, sem oposição; bisou com um belo disparo colocado de pé direito de fora da área, e, para completar um hat-trick de apresentação ao público, cobrou superiormente um livre direto na segunda parte. Aos 18 anos, na estreia por um dos maiores clubes do mundo, Wayne Rooney fez tudo o que um realizador espera.

“Duvido que haja uma estreia melhor que essa. Não apenas pelos golos que marcou, mas pela exibição como um todo. Marcar um ‘hat-trick’ no primeiro jogo pelo Manchester United é especial", analisa Giggs.

“Marcar um ‘hat-trick’ no primeiro jogo pelo Manchester United é especial, mas a exibição do Wayne foi ainda mais inacreditável por todas as circunstâncias. Tinha 18 anos, foi o primeiro jogo na Liga dos Campeões e ele estava parado há três meses. É um início de sonho. A performance dele foi fantástica, mas foi a perspicácia dele que me impressionou sobremaneira. Sabemos que o primeiro jogo após uma lesão é normalmente difícil, mas ele fê-lo ser ridiculamente fácil. Fiquei em choque por vê-lo aguentar os 90 minutos. Foi uma exibição brilhante”, analisa Giggs, ex-companheiro de equipa do inglês e, também ele, uma figura histórica do clube.

Estava dado o mote para aquela que seria uma das mais belas histórias de amor escritas na Premier League.  Esses foram ‘apenas’ três dos 17 golos que Wayne Rooney  marcou na primeira temporada em Manchester. A primeira de 13 épocas com que brindou os adeptos com golos fantásticos, assistências deliciosas e com momentos de um espírito de equipa e sacrifício dignos de um verdadeiro capitão.

A vontade de abandonar o clube, como manifestou várias vezes, é até esquecida pelos adeptos do Manchester United – eu incluído – quando olhamos para a carreira de Rooney em Old Trafford como um todo. Foram quatro Supertaças de Inglaterra, quatro Taças da Liga, uma FA Cup, cinco títulos da Premier League, uma Liga Europa, uma Liga dos Campeões e um Mundial de Clubes de vermelho no corpo.

À parte dos títulos, que são sem dúvida o mais importante no percurso de um jogador, Wayne Rooney é responsável por inúmeros momentos épicos para os adeptos do United. É  impossível não lembrar aquele golo de raiva diante do Newcastle, no momento em que olha para a bola enquanto discuta com o árbitro; as ‘obras de arte’ marcadas atrás do meio-campo, pelo United, Everton e DC United; o mítico pontapé de bicicleta, a passe de Nani, que deu a vitória num dos muitos dérbis de Manchester em que marcou e venceu; a assistência de calcanhar para Van Persie; a bola teleguiada para o holandês marcar um dos melhores golos que me lembro de ver, em Old Trafford, no dia em que nos sagramos campeões pela última vez; os vermelhos diretos, cunho de um (às vezes estúpido) captain material; as celebrações icónicas e, por fim, aquele belo livre direto, diante do Stoke, que o fez ultrapassar Bobby Charlton como o melhor marcador da história do clube, o Manchester United, com 253 golos. “Rooney são três jogadores de classe mundial juntos num só, sem nenhuma fraqueza fácil de identificar. É um marcador de golos consistente, cujo rácio de golos faz dele um ‘dois em um’ pelo Manchester United e por Inglaterra, algo que apenas os melhores podem alcançar. Um futebolista puro, daqueles que consegue abrir uma defesa com um passe de morte ou com a criação de espaços através de movimentos inteligentes. E um jogador de equipa que trabalha mais do que qualquer um e que pode jogar em qualquer zona do terreno, seja no meio-campo, nas alas, como avançado solto ou num ‘buraco’ – o que o treinador quiser. Talento incluído, Rooney tem tudo. Nunca vi ninguém criar tão bem um espaço para si próprio dentro campo”, definiu Gary Lineker em 2009.

A reta final dos episódios vividos em Manchester fica marcada pela perda de preponderância na equipa, então treinada por José Mourinho. Rooney nunca o assumiu, mas foi natural que com a subida da idade e as mudanças de filosofia na Premier League, o avançado inglês começasse a recuar no terreno, a deslocar-se mais para os apoios e, por fim, a decidir abandonar o gigante inglês. Fê-lo com a vontade de regressar a casa, como os artistas merecem, e assinou pelo Everton por apenas uma temporada. A (nova) aventura em Goodison Park durou pouco tempo, mas o suficiente para Wayne Rooney marcar 11 golos, com destaque para uma ‘bomba’ a partir do seu próprio meio-campo, num registo de ‘estrela’ que viria a confirmar meses depois.

Em 2018, numa altura em que a inteligência que mostrava no relvado ainda conseguia disfarçar a quebra de ritmo e intensidade, Wayne Rooney muda-se para os Estados Unidos para, com o rótulo merecido de ‘velha glória’, representar o DC United. Afastado dos grandes holofotes, o internacional inglês foi conseguindo chamar a si toda a atenção que os craques merecem: foi capitão de equipa e eternizou-se com (mais) um golo marcado a partir do seu próprio meio-campo, fazendo dele o único jogador a marcar três golos dessa forma por três equipas diferentes – não é um título, mas merece o registo.

À parte disso e de um ou outro livre direto, o melhor marcador da história do United foi ainda protagonista de um lance que, mais uma vez, parece retirado do mesmo guião de outros parágrafos: aos 95 minutos do jogo entre o DC United e o Orlando, quando o marcador mostrava uma igualdade a duas bolas, a equipa do inglês tem um canto a favor que ‘atira’ o guarda-redes até à área contrária em busca da glória; o rótulo de herói, no entanto, estava reservado para Wayne Rooney. Após um corte da defesa, a equipa do Orlando sai rápida para o contra-ataque, com quatro jogadores a tentarem marcar o golo da vitória. Rooney dá o que muitos consideram o sprint de uma vida de 33 anos, desliza para recuperar a bola, olha para a área, cruza com conta, peso e medida, e o DC United marca o golo que vale a vitória. Digno de Netflix. Digno de Wayne Rooney.

Foi, de resto, um dos últimos momentos que Wazza viveu nos Estados Unidos. Após duas temporadas coroadas com 25 golos em 52 encontros, o agora experiente jogador regressou a Inglaterra, desta vez para representar o Derby County, então militante no Championship, o segundo escalão.

“Quando voltei ao Reino Unido fiquei completamente surpreendido pelo potencial do Derby County. O estádio, o centro de treinos, a qualidade do staff e os jovens jogadores que estavam a aparecer. E claro, os adeptos, que se mantêm leais e a apoiar. Mesmo com outras propostas, soube instintivamente que o Derby County era o lugar para mim”, explicou.

Foram pouco mais de 30 jogos pelos Rams, um em especial: a cinco de março do ano passado, antes da pandemia do novo coronavírus obrigar à paragem dos campeonatos, o Derby County recebeu o Manchester United na quinta eliminatória da Taça de Inglaterra. A equipa de Ole Gunnar Solskjaer venceu por 3-0, com golos de Luke Shaw e Ighalo (bis), mas o momento alto foi um livre de Rooney travado superiormente por  Sergio Romero. A partida terminou com abraços de parte a parte, com Rooney a receber felicitações e a instruir os mais novos jogadores do United. Solskjaer, que atuou ao lado de Wazza, admitiu que “por tudo o que deu ao United”, Rooney merecia que “Romero deixasse entrar aquela bola”.

Após uma série de resultados inconsistentes com Rooney a capitão e Philip Cocu a treinador, a direção do Derby decidiu demitir o técnico holandês. Rooney foi um dos cinco nomes escolhidos para, em conjunto, orientarem o destino dos Rams de forma interina. Fê-lo durante alguns encontros, na posição de treinador-jogador, mas esta sexta-feira, 15 de janeiro de 2021, assumiu definitivamente o cargo de técnico principal, colocando um ponto final numa carreira recheada de glória. “Ficar na linha lateral durante um jogo ou tentar colocar em prática o plano para os jogadores executarem é uma sensação completamente diferente. É um novo capítulo para mim. É óbvio que vou sentir falta de jogar, mas o tempo não pára para ninguém. Eu vivi o meu, mas esta é a hora da geração mais nova viver o seu e de eu os tentar guiar para serem melhores jogadores”, afirmou na conferência de imprensa do anúncio oficial.

“As últimas semanas ajudaram-me na decisão de me retirar, deram-me tempo para pensar. O meu futuro é de treinador. Tive uma carreira fantástica, apreciei todos os minutos, altos e baixos, mas não mudaria nada enquanto jogador. Com sorte, posso começar a escrever uma história diferente e ter uma carreira de sucesso enquanto treinador”, acrescentou.

Outrora protagonista de estreias de sonho enquanto futebolista, Wayne Rooney surge agora dissolvido nas altas expectativas dos adeptos do Derby County, atualmente 21.º classificado do Championship. É uma tarefa difícil, mas nada a que o agora ex-jogador não esteja habituado, não contabilizasse ele 559 presenças pelo Manchester United e 120 pela seleção dos Três Leões.

Mais. A história do Manchester United e da seleção de Inglaterra está recheada de nomes inesquecíveis do futebol, mas Wayne Rooney, de braçadeira no braço, está sentado no trono de ambas.


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