para conduzir até casa. esta podia ser uma das definições da música de samara cyn – henderson no bilhete de identidade – mas é essencialmente o título do álbum de estreia da artista americana, ainda sem data definida. é também uma escolha poética, tendo em conta que a rapper passou grande parte da infância a mudar de cidade e, por conseguinte, de casa. esse mosaico de novas culturas absorvidas é também ouvido na sua música – uma fusão entre neo-soul e hip-hop, pautada com um toque de nostalgia e modernidade e inspirado por nomes como lauryn hill ou erykah badu.
de resto, samara é natural de murfreesboro, no tennessee, e tem agora los angeles como base. aos 25 anos, conta apenas com alguns singles disponíveis online, mas a autenticidade, aceitação e poesia foram sempre uma constante na vida da artista. ‘é a faísca para a minha música’, admite, em entrevista à nme. a influência surgiu da mãe, professora de inglês, que lhe apresentou ‘brave new voices’, um festival anual de poesia, destinado a adolescentes. ‘foram todos esses jovens que se pareciam comigo. éramos novos e não estávamos a escrever poesia como edgar allan poe’, acrescenta. ‘isso abriu-me a mente para novas cadências na poesia, para falar sobre questões sociais, sobre as coisas pelas quais estava a passar e para me expressar’.
seria contudo apenas no segundo ano de faculdade que essa paixão pela poesia daria lugar à ambição de fazer música. cyn encontrou os amigos a ouvir uns beats e a rappar. ‘pensei: eu tenho coisas nas minhas notas que encaixam aqui. basicamente cantei um dos poemas por cima de um beat’, conta. ‘assim que comecei a escrever, não consegui parar. lembro-me que nem dormimos nessa noite. voltámos ao nosso apartamento, pegámos nas mochilas e fomos diretos para aulas. e mesmo nas aulas, não consegui terminar a música’.
embora a primeira música seja datada de 2019, o processo criativo de samara manteve-se como ‘um puzzle’ em construção – primeiro as ideias soltas no papel e, mais tarde, um processo de edição mais complexo. ‘estou a tentar perceber como consigo dizer aquilo que quero dizer de forma mais inteligente. o esquema rimático e cadência certa e, mesmo assim, passar a mensagem. definitivamente, estou a tentar dizer o que quero em menos palavras’, acrescenta, ainda em entrevista à nme. esta maturidade e inteligência emocional de cyn é também notada em várias das suas músicas. em ‘wake up’, por exemplo, a artista mostra-se como observadora da condição humana e numa busca constante pela luta e crescimento. ‘à medida que fui evoluindo enquanto artista, deixei de querer ser apenas uma ‘grande rapper’ e passar a fazer música realmente boa’, sustenta.
e tens feito, cyn.
pride’s interlude, auto-pilot, wake up, moving day, magnolia rain, katana e, mais recentemente, chrome. estes são os singles disponibilizados nas plataformas de streaming que ajudam a explicar essa ideia. o último, produzido por d’mile – que já trabalhou com lady gaga ou victoria monet – foi estreado pelo canal ‘colors’, o que a fez chegar a outros públicos. no entanto, para cyn, o tema é ele próprio uma luta entre a validação e a procura pela sua verdade e identidade enquanto artista.
‘a música foi escrita depois de um género de discussão acesa sobre a realidade de criar arte a um certo patamar na cultura de hoje em dia. o equilíbrio (ou talvez a batalha) entre a verdadeira autenticidade e o conseguir chegar a um grande número de pessoas. quanto estás disposto a entregar de ti para seres parte de um todo? ou para convencer alguém de que mereces ser ouvido? ou se deves sequer fazê-lo? esta música [chrome] é sobre entregar o que resta de ti num desejo de seres parte de algo para perceberes, depois, que isso nunca existiu da forma que imaginaste. por vezes, somos nós a criar a ideia do que devemos ser para depois culpar fatores externos’, explica.
é precisamente no núcleo destas dúvidas que reside a certeza de que cyn já chegou, viu e venceu. as suas aspirações não se limitam ao sucesso pessoal – ela quer inspirar e influenciar. quer integrar uma nova geração de artistas que não está necessariamente a seguir as pisadas de outros, mas sim a procurar redefinir contornos da música moderna por mistos de géneros, de escrita e de compromisso social. são caminhos tão simples e tão bonitos como os álbuns que nos levam a casa.
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