Juan Mata é um daqueles jogadores que deixa muitos adeptos a suspirar e a fantasiar pelo que poderia ter sido uma carreira de um outro nível. As passagens por Chelsea e Manchester United dão um certo brilho ao futebol do espanhol, mas é impossível não imaginar como teria ‘El Mago’ crescido futebolisticamente numa equipa como o Barcelona, ou, se quisermos, com um treinador como Pep Guardiola. Hoje, embora não seja uma opção indiscutível de Solskjaer, vive do estatuto de um dos jogadores mais experientes – e inteligentes! – dos Red Devils. A aventura em Manchester ficou reconhecidamente aquém das expetativas, não estivesse o clube inundado num ambiente de quase depressão após a saída de Sir Alex Ferguson. Mata não o esconde, nem tampouco nega que o futebol se tenha tornado (ainda) mais resultadista.
“Não há dúvidas que os resultados sempre foram importantes, mas agora, devido às repercussões que cada resultado tem, com todas as plataformas onde é discutido e com redes sociais e canais que não existiam antigamente, tornou-se num fenómeno ainda maior. É tudo maior: cada resultado, cada erro, cada golo”, reflete o espanhol, em entrevista ao ‘The Athletic’.
“É difícil, com todas estas repercussões, encontrar o equilíbrio no futebol. É tudo amplificado – são demasiado boas quando ganhas e demasiado más quando perdes”, acrescenta.
Mata recebeu a equipa do ‘Athletic’ na cave do restaurante de tapas do pai, no centro da cidade de Manchester, ao lado de um dos diretores de comunicação do Manchester United. Por isso, explica Oliver Kay, o jornalista responsável pela entrevista, que a conversa não pôde fazer-se à volta da situação do clube. Porém, Mata é mais que um clube, mais que um jogador. Aos 31 anos, o internacional espanhol acaba de publicar o livre ‘Suddenly, A Footballer’, que à tradução livre quererá dizer qualquer coisa como ‘E de repente, um jogador de futebol’. Entre os vários trechos que Kay sublinha – ainda não tive oportunidade de ler o livro – Mata mostra-se preocupado com o peso que o resultado tem no futebol atual.
“A importância que agora é dada ao resultados é como se ganhar não fosse a coisa mais importante, mas a única coisa importante”, explica. Esta preocupação, reforça, pode tornar o futebol “cada vez menos bonito”, o que, por conseguinte, “cria menos jogadores de ataque, menos jogadores criativos”.
“Que clubes de topo contratariam, hoje, jogadores como Juan Carlos Valerón ou Juan Roman Riquelme? Diriam que são muito lentos”, argumenta.
Riquelme e Valerón são tidas como ‘lendas’ do futebol mundial, com especial incidência em Espanha (ou na Argentina, no caso de Riquelme), no Villarreal e no Deportivo da Corunha, respetivamente. Eram típicos ‘armadores’ de jogo, responsáveis por pensar e organizar o futebol da equipa. Exemplos para Mata, se quisermos. Não surpreende, por isso, que Kay descreva o “brilho dos olhos” do espanhol quando a conversa chega até às zonas mais adiantadas do terreno. Sol de pouca dura, no entanto. A saudade da técnica e visão de jogo – que ainda a há atualmente, claro – volta a ser vincada pelo jogador do Manchester United.
“Este tipo de jogadores, o puro número dez, está, podemos dizer, extinto? Talvez não, mas já não se usa tanto. No passado, havia sempre este número dez atrás do avançado ou dos dois avançados, dependendo da equipa. A posição evoluiu para outras zonas do campo com os sistemas de jogo atuais, mas são estes jogadores que eu admiro, aqueles em que o talento mostra o seu melhor lado e que podem mudar um jogo com um passe ou outra coisa qualquer que mais ninguém conseguiu ver. [Quem mais?] Eu não vi muito do Eric Cantona, mas vi vários vídeos e ele era um artista. Maradona era outro artista, que o meu pai costumava pôr-me a ver jogar, também em vídeos. Zidane era outro, Ronaldinho também. Estes jogadores davam-se ‘arrepios’. Hoje em dia, é óbvio que eu vejo jogos, até para estar atento às outras equipas, mas adoro ver esse jogos para ver esse tipo de jogadores, a forma como eles se movem e as coisas que eles fazem”.
Há um sem nome de jogadores desta textura que ainda pairam no futebol moderno, de James Rodríguez a Christian Eriksen, mas Mata vincou o caso de Ozil, no Arsenal, por ser um “jogador fantástico” que gosta de observar, mas também por trabalhar às ordens de Emery, com quem o espanhol esteve em Valência. “Para ser honesto, não sei o que se passa”, resume.
A opinião de Mata sobre a ‘extinção’ destes jogadores tem razão de ser, não houvessem vários exemplos de (re)colocações dos atletas em campo, com o alemão à cabeça. A própria carreira do espanhol do Red Devils atesta a sua ideia. Em Espanha, Mata vagueava entre a zona central e os corredores do relvado, mas com a chegada a Inglaterra, talvez por filosofias de jogo ou por um lado mais combativo do futebol, foi gradualmente arrastado para ala direita, onde o seu pé esquerdo permitia mais ligações no jogo interior. A magia da primeira década do século começou a desaparecer, na mesma medida em que o futebol se tornou mais rápido, mais instantâneo.
“Provavelmente é porque o jogo mudou e exige agora mais a nível físico. Tornou-se mais rápido e, por isso, precisas de estar fisicamente melhor preparado. Se falares com jogadores de outros anos, eles dir-te-ão que o jogo é mais rápido e que há menos espaço, daí exigir essa preparação. Penso que depende da forma como olhas para isto. É como tudo na vida, onde podes ter diferentes respostas para qualquer opinião. Eu estava na seleção espanhola quando ganhámos o Europeu e o Mundial e praticávamos um futebol atrativo. Isso é certo, mas penso que não seja a regra. Há outras equipas campeãs que não jogavam um futebol tão vistoso e ganharam de qualquer maneira”, refere.
“Portanto, sim e não. Há muitas pessoas que defendem essa positividade no futebol, por acharem que podem praticar um certo tipo de jogo, que normalmente é o atrativo. Mas também tenho a sensação – e isto é a natureza humana, creio eu – de que há muitas pessoas no futebol que sentem mais o medo de perder que a felicidade de ganhar, especialmente num desporto como este, onde a responsabilidade e repercussão social da vitória e da derrota é tão elevada. Por vezes, achas que a derrota é uma tragédia e a vitória é um alívio. Sentes mais isso, esse alívio em vez de felicidade, especialmente se jogares num grande clube. Percebo, nesse sentido, que alguns treinadores tentem ser mais compactos e esperem por um erro do adversário. É outra forma de ver o jogo”, explica.
As perspetivas de Mata, adepto confesso do futebol atrativo e de posse, foram sendo moldadas ao longo da sua carreira, essencialmente nos últimos anos. Esta é a nona temporada do espanhol na Premier League. Em dois anos e meio no Chelsea, foi orientado por André Villas-Boas, Roberto Di Matteo, Rafael Benítez e José Mourinho. ‘Divorciou-se’ dos ‘blues’ com o ‘Special One’, mudando-se para Manchester, onde viria a reencontrar o português. Antes, naquele período de quase depressão pós-Ferguson, Mata trabalhou com David Moyes e Louis Van Gaal, tendo agora em Solskjaer a imagem de treinador. Em todas estas temporadas, Mata nunca conseguiu ser uma figura incontornável da equipa, mas não é menos verdade que nenhum conjunto defendia um futebol ‘fluído’, de posse, progressiva ou não, que pudesse libertar toda a magia do espanhol. É compreensível, por isso, que ‘El Mago’ não seja visto como um organizador de jogo ou um número dez no relvado, mas a sua mentalidade e forma de ver o jogo nunca mudou. Amadureceu, reconheçamos.
“Quão mais rápido conseguires pensar – idealmente ainda antes de receberes a bola – melhor será para ti e para a equipa, que fluirá muito melhor. Para um jogador que tenta criar jogo e atacar, tentar tomar a melhor decisão é muito importante. É por isso que eu adoro médios. Eles precisam de tomar sempre a melhor opção – tentar penetrar, dar profundidade, e às vezes acalmar e segurar o jogo. Para mim, esse milissegundo em que tens de tomar a decisão e executá-la é a chave para um jogador atingir um nível superior. Hipoteticamente, isto também depende dos teus companheiros de equipa. Precisas de saber as qualidades deles, se são jogadores de atacar a profundidade, as costas da defesa, ou se preferem receber a bola no pé”, elucida.
A ideia de um futebol rápido e numa transição muito vertical ganha relevo quando olhamos para os colegas atuais de Mata. Rashford, Martial ou Daniel James são jogadores velozes, que gostam, sem dúvida, de receber a bola no espaço. Ainda assim, é um facto que Mata não é uma escolha óbvia no Manchester United. Esse papel de ‘armador’ de jogo é desempenhado numa zona mais recuada do terreno, ocupada por Pogba, quando o francês está bem fisicamente. Do outro lado da cidade, no entanto, há um génio ‘semelhante’ a Mata que se ‘adaptou’ ao futebol moderno: David Silva. Por mérito do próprio do jogador e dos diversos treinadores com quem trabalhou, Silva desenvolveu o seu jogo e atingiu, hoje, um patamar diferente. Os dois atuaram juntos no Valência e na seleção espanhola, mas o atual jogador do Manchester City tornou-se uma figura mais consagrada que o compatriota. A qualidade esteve sempre lá, fosse com Mancini ou Pellegrini, mas foi com Pep Guardiola que o criativo espanhol mais se destacou – a número 10, na ala ou numa zona mais recuada do meio-campo.
“À medida que envelheces ganhas um entendimento mais profundo sobre o jogo, provavelmente melhoras a tomada de decisão e isso permite-te jogar noutras zonas do campo. Depende também da forma como a tua equipa joga e dos jogadores que tens à tua volta. Em Espanha, por exemplo, joguei muitas vezes nessa posição de número dez. No United também, nos jogos em que precisávamos de atacar mais, e gostei, especialmente porque gosto de tocar na bola o máximo possível, mas jogo em várias posições. Em criança era avançado, depois passei para extremo-esquerdo, extremo-direito e número 10. Mas sim, considero-me um médio ofensivo, portanto posso jogar em qualquer uma delas”, compara Juan Mata.
É habitual que estes jogadores que atuam na zona nevrálgica do terreno sejam aqueles que mais brilham, os que mais captam a atenção e se colocam debaixo dos holofotes. Mata coloca-se propositadamente num quase silêncio mediático, longe das luzes que muitos jogadores chamam sobre si próprios. Há quem entenda esta postura como um mecanismo de defesa, especialmente numa era digital onde a atenção é quase um pedido transversal a atletas, artistas e pessoas ditas ‘comuns’. É uma “sociedade do ego”, uma descrição usada pelo espanhol e que toca em vários parâmetros de uma era onde, no futebol, um desporto coletivo, os prémios individuais tendem a ser o prestígio mais difícil e mais desejado de alcançar.
“É a sociedade do ego, a necessidade de atenção, de seguidores e de reconhecimento que se está a desenvolver por cima da sanidade. Já chegou ao futebol, como não? Sinceramente, não tinha pensado nisso até ao momento em que estava a escrever o livro, sobre como algumas decisões que tomamos no relvado são condicionadas pelo nosso ‘mindset’. Há que ser claros numa coisa: é óbvio que todos querem aparecer e marcar o golo da vitória. É normal. Mas nós jogamos um desporto coletivo, não somos tenistas ou golfistas, portanto temos de ter consciência que temos que dar o nosso melhor no plano individual, mas também temos que respeitar os outros. É este dilema, entre tentar aparecer e ser um jogador de equipa respeitado, que às vezes é difícil de alcançar a 100 por cento. Mas há alguém que seja 100 por cento fiel, todos os dias, aos valores que defende? É praticamente impossível, certo? Portanto, quando eu falo sobre este ‘ego’, este estado de espírito dos dias de hoje, é mais relacionado com as redes sociais, que estão a levar toda a gente – incluindo eu próprio – a um lugar onde mostramos a nossa vida e onde é ‘eu, eu e eu’ em vez de outras coisas”, contextualiza o espanhol.
“Não tenho a certeza se isso condiciona a forma de jogar, depende do teu jogo. Se és um jogador que consegue fintar três adversários, então vais fazê-lo. É perfeitamente normal, está tudo bem. Mas se tu só o fazes por fazer, se não é o que o jogo está a pedir, então o caso muda de figura. Saber quando fazê-lo ou quando não o fazer é o mais difícil – para muitos jogadores, incluindo eu próprio”, acrescenta.
É nesta esfera da tomada de decisão que se expressa o melhor de Juan Mata. É um jogador cerebral, que pondera se o passe para a direita é melhor que para a esquerda, se é preferível acelerar ou tornar o jogo mais lento, se um remate é melhor que dar a bola a um companheiro. Embora se defina como um jogador de equipa e de último passe, Mata não tem dúvidas que marcar um golo é melhor que assistir.
“Já me perguntaram isso várias vezes, se prefiro assistir ou marcar. Bem, marcar um golo é o melhor sentimento que podes ter, é uma libertação de energia. Por vezes, à custa disso, nem sequer te lembras de como o festejas. É um sentimento que é muito difícil de encontrar fora do futebol”, reconhece.
Afinal, é de golos que vive o futebol. Mata nunca foi um goleador, nem pode ser dito que tenha um número exorbitante de assistências ao longo da carreira, mas não raras vezes é um dínamo de uma equipa que tende a ter dificuldades em encontrar-se. Procura o jogo simples – muitas vezes o mais difícil de conseguir – seja com um passe, uma movimentação ou uma finta de corpo. A beleza do jogo pode estar a perder-se ou a transformar-se no futebol moderno, onde a lei do resultado impera cada vez mais, mas ganhar com um jogo mais pragmático será sempre mais agradável de assistir quando Juan Mata estiver em campo, seja ele ou não um purista romântico do futebol.
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