De há oito anos a esta parte que o campeonato italiano se resume a apenas um nome: a Juventus. Depois dos cinco títulos do Inter entre 2006 e 2010 – um deles atribuído administrativamente – o AC Milan abriu caminho, em 2011, para o que viria a ser uma caminhada triunfante da ‘Velha Senhora’. Del Neri foi o primeiro obreiro, seguido por Antonio Conte e, mais recentemente, por Allegri. Foram oito ‘scudettos’ assentes num estilo de jogo tipicamente italiano – ‘catenaccio’, se quisermos – onde o mais importante era ganhar jogos e, por conseguinte, conquistar troféus, mesmo que isso significasse apostar num modelo de jogo mais defensivo ou, em última instância, colocar jogadores fora de posição para que o rigor tático coletivo fosse cumprido. Foi-o com Del Neri, com Conte e com Allegri. Esta época, porém, a Juventus é liderada por Maurizio Sarri, um homem que tenta romper com as ideias de jogo citadas anteriormente. É uma aposta de risco – como são quase todas – mas que ganha diferentes proporções quando colocada ao lado de dois projetos que serão, ao que tudo indica, os principais concorrentes na luta pela Serie A: o Inter de Antonio Conte, precisamente um técnico habituado a vencer com essa ‘disciplina italiana’, e o Nápoles de Ancelotii, uma espécie de ´híbrido’ entre a ‘velha-escola’ de Conte e a moderna obsessão tática de Sarri. A Juventus poderá até partir como favorita a mais um ‘scudetto’, mas espera-se, agora, que o faça ‘com estilo’. Ainda assim, importa referir os cenários hipotéticos para esta nova temporada: se a ‘Juve’ for campeã, Sarri será celebrado; se o título chegar sem um jogo atraente, não será uma novidade em Turim; se a ‘Velha Senhora’ não for campeã e não mostrar uma identidade bem vincada, Sarri poderá ser despedido; e, por fim e provavelmente mais intrigante, como será a próxima temporada se a Juventus não for campeã mas jogar, efetivamente, com o ‘cunho’ de Sarri? É ainda muito cedo para se pensar em respostas, mas há já uma certeza em terras transalpinas: a equação Sarri x Conte x Ancelotti tem tudo para fazer desta Serie A, que já leva duas jornadas disputadas, a mais emocionante dos últimos 20 anos.
Escreve o jornalista Michael Cox, do Athletic, que o espírito da década de ‘90 da Serie A está de volta, quando o campeonato italiano era “o mais dominante da Europa”.
“Era fascinante não apenas pela qualidade dos intervenientes mas, principalmente, devido a dois fatores: primeiro, a competição genuína no topo, com várias equipas a começarem a prova com uma verdadeira hipótese de a conquistar; e, em segundo, devido ao debate que se instalou no futebol italiano durante aquele período, quase como uma guerra civil entre quem defendia os valores tradicionais do desporto-rei daquele país e, do outro lado, por quem ambicionava um jogo mais ‘progressista’ e de entretenimento”.
Esta época, com Sarri, Conte e Ancelotti como principais intervenientes – sem desprimor pelas restantes equipas – é encarada por muitos críticos como um regresso ao passado, nomeadamente à década de ‘90 e ao legado deixado por Arrigo Sacchi.
Sacchi, que venceu duas Taças dos Campeões Europeus pelo Milan em 89 e 90, é frequentemente considerado como um dos maiores revolucionários do futebol das últimas décadas, ainda que os seus métodos sejam mais apreciados ‘fora de portas’ do que propriamente em Itália. Sem nunca ter sido futebolista profissional, Sacchi nunca se sentiu verdadeiramente influenciado pela escola de técnicos italianos do passado, mas, antes disso, por todo o modelo de futebol atacante holandês, essencialmente levado a cabo pelo Ajax.
Ao contrário do que era visto à época em Itália – blocos defensivos baixos, marcação homem a homem, etc. – Sacchi era adepto do ‘futebol total’, com uma linha defensiva mais subida e com a armadilha do fora de jogo bem vincada. A tradição italiana do ‘trequarista’ dava lugar a um bloco compacto e de pressão constante, estendido a todos os jogadores no relvado.
A genialidade, como em todas as áreas, não foi unânime em Itália. Sacchi chegou à ‘Squadra Azzurra’ em 1991, ficou até 1996, mas nunca foi consensual para os adeptos. Alguns técnicos ficaram maravilhados com as suas tentativas de revolucionar o jogo, enquanto outros desesperavam por um regresso a um estilo de jogo mais defensivo, mais ‘old school’.
A narrativa de Cox – de onde sai a ideia e muitas informações para este artigo – explica que qualquer técnico italiano pode ser colocado algures entre Sacchi e Trapattoni, o seu principal ‘opositor’ nas ideias e modelo de jogo. Para esta temporada, esclarece, “Sarri está à esquerda, perto de Sacchi, Conte à direita, ao lado de Trapattoni, enquanto Ancellotti se situa no meio da ‘barricada’”. A verdade é que a guerra entre estes três nomes consensuais no futebol italiano, bem como a presença de Cristiano Ronaldo, pode revigorar e dar uma ‘nova vida’ à Serie A.
Analisando individualmente (e em entre si) os três ‘principais’ candidatos ao título de campeão, é curioso notar que embora seja o mais novo dos três – cerca de dez anos – Antonio Conte é aquele que mais se aproxima do estilo de jogo ‘old-school’ e tipicamente italiano. Apesar de ter alinhado sob as ordens de Sacchi na seleção italiana e de ter sido orientado por Ancelotti aquando da sua passagem pela Juventus, Conte tem em Trapattoni e Marcello Lippi as duas principais referências enquanto técnico. Escreve Michael Cox que o italiano chegou a referir-se a Trapattoni como “um segundo pai”, pelo que o Inter desta nova temporada deverá ter a sua identidade diluída em conceitos como a disciplina, o trabalho árduo e a perspicácia tática – ainda que o futebol entusiasmante possa acontecer ao longo da época.
A chegar a Milão, Conte leva consigo três títulos consecutivos conquistados na Juventus e uma Premier League e uma FA Cup à frente do Chelsea. A experiência enquanto selecionador italiano não deu frutos a nível de troféus, mas a boa campanha no Euro’2016, onde perdeu para a Alemanha nos quartos de final, merece ser destacada. Espera-se um Inter aguerrido, disciplinado e comprometido na luta pelo ‘scudetto’.
Para isso – e para as restantes competições – os ‘nerazzurri’ reforçaram-se com Diego Godín (um defesa-central que, sendo uruguaio, parece formado na escola italiana) e Nicolo Barella e Stefano Sensi (dois médios que prometem qualidade técnica, intensidade e trabalho no meio-campo). À frente, Lukaku é um avançado à imagem do técnico italiano – especialmente quando comparado com Sarri – e Alexis Sánchez, em condições físicas e mentais que já lhe conhecemos, poderá ser um ‘update’ brutal.
A maior força deste Inter, umbilicalmente ligada a Conte, estará no espírito de união que o treinador consegue montar em cada plantel, onde cada jogador sabe que o testa de ferro é o técnico e que deverão estar com ele – e ao lado dele – em todos os momentos da época. Depois dos títulos na Juventus e em Inglaterra, é justo prever que o Inter dará um salto de qualidade relativamente aos últimos anos, com a diferença de atitude a ser um ponto crucial para isso.
“Conte voltará à ‘base’. Enquanto o nome do clube celebra a internacionalização – Internazionale – a equipa será a mais italiana de todos os candidatos ao título”, remata Cox.
Em segundo lugar – aqui e na tabela classificativa da época passada – surge Ancelotti. Aos 60 anos, o italiano vai para a segunda temporada em Nápoles e é, dos três, o único que já ‘conhece os cantos à casa’. A temporada transata não foi surpreendente, como, de resto, tem sido toda a carreira de Carlo no que às ‘maratonas’ diz respeito. Apesar de todo o seu sucesso internacional, Ancelotti conquistou apenas um ‘scudetto’ nas dez temporadas em que esteve em Itália.
É curioso, no entanto, que Ancelotti tenha começado a carreira de técnico numa altura em que Conte ainda era capitão da Juventus e que Sarri trabalhava enquanto banqueiro.
A posição híbrida do italiano de 60 anos começou a ser construída sob a ‘alçada’ de Sacchi, primeiro no AC Milan e, mais tarde, na Squadra Azzurra. Hoje, 22 anos depois da estreia no banco do Parma, é difícil traçar o perfil de Ancelotti enquanto técnico. As experiências em Madrid e Munique dão-lhe um rótulo de ‘gestor de egos’ no balneário, algo que terá começado anos antes, na Juventus, por ocasião da chegada de Zinedine Zidane, o jogador. Enquanto atleta, Zidane ‘forçou’ Ancelotti a alterar a sua formação preferida e consequentemente as ideias de jogo, numa mudança que teve na exploração e afirmação do talento individual como meta principal. É quase uma coincidência, por isso, que Zidane seja hoje o treinador do Real Madrid, um balneário cheio de estrelas onde, explicou Ronaldo recentemente, a “tática pouco importa”, com a motivação e assumir-se como personagem principal.
“Ancelotti inspira confiança. Ele pode não ter aquela obsessão natural pela tática que eu tinha, e que eu penso que Guardiola também partilha, aquele perfecionismo”, afirmou Sacchi, citado por Cox.
Em termos de plantel, as diferenças da temporada passada para esta não são significativas. A chegada de Manolas para fazer par com Koulibaly poderá fazer dos napolitanos uma das defesas mais seguras da Serie A – apesar dos sete golos sofridos em dois jogos – enquanto Lozano certamente trará qualidade ao ataque.
Fica a ideia, porém, que para o Nápoles erguer o ceptro terá de conquistar tantos ou mais pontos que na temporada passada e esperar que a Juve, agora com Sarri, ‘tropece’ mais do que anteriormente.
Essa ilusão, de resto, poderá mesmo acontecer, ou não fosse a chegada de Sarri a Turim um acontecimento fascinante e, ao mesmo tempo, repleto de dúvidas.
A história de Sarri, agora com 60 anos, tem feito manchetes nos últimos tempos. Do vício dos cigarros à escalada desde o futebol não-profissional em Itália, o técnico mostrou-se ao mundo em Nápoles, onde operou uma transformação que levou o clube da monotonia estruturada a uma máquina de leveza atacante com velocidade e inteligência. É também por isso que a sua (curta) estadia em Inglaterra tenha dividido os adeptos: apesar de ter conquistado a Liga Europa e ter assegurado um terceiro lugar na Premier League, a sua posse de bola (Sarriball) não foi bem recebida por todos os ‘blues’. (Muitos deles, porém, lamentaram a sua saída).
Essa dificuldade em ‘abraçar’ a identidade de um clube poderá ser o novo problema de Sarri em Turim. (Não deveria, contudo, ser natural que o técnico queira implementar todas as suas ideias e tenha sido, precisamente, esse o objetivo de contratá-lo?). A filosofia da Juventus, um dos maiores clubes da Europa, é simplesmente vencer. Jogos, mais jogos e, por fim, troféus. A ‘Velha Senhora’ não é, nos últimos anos, um clube conhecido pelo futebol atrativo e entusiasmante mas, em vez disso, por uma equipa resultadista e sem problemas em assumir uma postura (ultra) defensiva se o jogo assim o exigir.
A antítese de Sarri, por assim dizer.
Escreve Cox, no Athletic, que esta é a aposta mais ofensiva da Juventus desde a contratação de Gigi Maifredi em 1990, um técnico que Sacchi tentou emular no AC Milan. A aventura em Turim, porém, foi um desastre: terminou em sétimo lugar e nunca mais voltou à elite do futebol italiano.
Ainda assim – e sem querer prever o que poderá ser o trabalho de Sarri – esta Juventus tem tudo para não terminar em sétimo. Cristiano Ronaldo, Bernardeschi, Dybala, Douglas Costa ou Higuain estarão certamente ligados a um sem número de golos capazes de colocar a ‘Velha Senhora’ na rota do título. As chegadas de Ramsey, que ataca a área contrária com facilidade, e de Rabiot, exímio na gestão da posse que Sarri tanto defende, são um aumento à já enorme qualidade no centro do terreno. Na retaguarda, De Ligt tem tudo para se tornar num símbolo da Juve e o regresso de Buffon dissipa qualquer dúvida no que ao espírito à volta do clube diz respeito.
A Juventus será sempre o principal candidato ao ‘scudetto’, ainda que a chegada de Sarri envolva o clube num ambiente dúbio. A maior pergunta, no entanto, estará reservada para o fim. Qual será o futuro de Sarri? A Juventus conseguirá ser campeã ‘com estilo’? E se não o for, Sarri terá condições para liderar uma equipa que perdeu o título depois de oito conquistas consecutivas?
“Em jeito de brincadeira, não conquistar o título mas continuar ao leme da Juventus poderá representar o maior sucesso de Sarri – ele teria alterado a filosofia de um dos clubes mais teimosos e resultadistas da Europa”, finaliza Cox.
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